Quais os povos mais felizes do mundo?

POR TALES NIECHKRON
Quando se trata de medir a felicidade, o Relatório Mundial da Felicidade utiliza dados de seis variáveis para compilar seu ranking anual: PIB per capita, apoio social, expectativa de vida saudável, liberdade, generosidade e corrupção. Esse índice é calculado com base em avaliações individuais de 1.000 residentes de cada país, considerando esses seis quesitos, por meio de entrevistas realizadas pela consultoria Gallup World Poll.
Dessa forma, não é surpresa que os primeiros colocados nessa lista sejam, frequentemente, países ricos onde os seis indicadores são amplamente percebidos de forma positiva pela população. No entanto, o uso dessa métrica para definir a felicidade global é contestado tanto por especialistas quanto por habitantes dos países que figuram nas primeiras posições.
Noora Ojala, estudante de 26 anos e natural de Helsinque, capital da Finlândia, conta que os rankings que colocam seu país em primeiro lugar já se tornaram uma espécie de piada local. Segundo ela, ao ouvirem falar desses rankings, geralmente reagem com risos. Os finlandeses passaram a encarar essa classificação como algo cômico. No contexto atual, Ojala acredita que a palavra "felicidade" pode ser enganadora.
"É claro que nossas vidas são confortáveis graças à nossa liberdade, apoio social, educação e saúde, mas esses fatores não são as únicas chaves para a felicidade. A Finlândia é um ótimo país para se viver, mas essas classificações não dizem nada sobre nós como indivíduos", acrescenta a jovem.
Alfredo Maluf Neto, psiquiatra do Núcleo de Medicina Psicossomática do Hospital Israelita Albert Einstein, enfatiza a falta de consenso médico sobre o significado real da felicidade. Biologicamente, essa sensação está relacionada a uma série de hormônios naturais, como serotonina, dopamina, ocitocina e endorfina.
No entanto, além da explicação biológica, a felicidade também pode ser analisada sob uma perspectiva social. Maluf Neto afirma que, do ponto de vista médico, a definição de felicidade está fortemente ligada ao que a OMS (Organização Mundial da Saúde) determina, abrangendo o bem-estar físico, saúde mental e bem-estar social. Ele destaca que, do ponto de vista neurobiológico, ou seja, no cérebro, a felicidade se manifesta em várias funções distintas, incluindo hormônios que regulam o humor.
Arto Salonen, pesquisador e professor na Universidade do Leste da Finlândia, responsável por diversos estudos sobre bem-estar na sociedade finlandesa, explica que uma das influências na percepção de felicidade das pessoas está em diferenciar desejos de necessidades, principalmente no que diz respeito às finanças. Essa pode ser uma das razões pelas quais os finlandeses estão no topo dos rankings: para eles, o aumento da renda não é o mais importante, mas sim a garantia de que a renda seja suficiente para suprir suas necessidades.
"Nossos estudos mostram que não há diferenças estatisticamente significativas de felicidade entre os finlandeses de diferentes grupos de renda. No entanto, o sucesso financeiro percebido tem relação com a felicidade. Os finlandeses conseguem separar suas necessidades e desejos de forma relativamente eficiente", explica Salonen. "Quanto à felicidade, separar necessidades reais de desejos infinitos é mais importante do que um aumento contínuo na renda. Isso está relacionado a um antigo ditado finlandês: quando você sabe o que é suficiente, você fica feliz", completa o pesquisador.
Salonen acrescenta que a transição para um estilo de vida mais sustentável e ecológico também pode contribuir para uma maior percepção de felicidade, como revelado em estudos realizados por sua equipe na Universidade do Leste da Finlândia. Segundo ele, "nossa pesquisa mostra que estilos de vida sustentáveis podem aumentar a felicidade dos cidadãos, principalmente em termos de satisfação com a vida e senso de dignidade na Finlândia. Os finlandeses que já começaram a mudar seus estilos de vida em direção à sustentabilidade estão mais satisfeitos consigo mesmos do que aqueles que continuam vivendo como sempre viveram", explica Salonen.
Moradora do país classificado em segundo lugar no ranking do World Happiness Report de 2023, a estudante dinamarquesa Michelle Kisak Baumhauer, de 24 anos, acredita que é mais fácil se sentir feliz em um lugar onde as condições de vida proporcionam maior segurança e menos estresse.
Para ela, as boas classificações da Dinamarca são resultado de um sistema de bem-estar social que reduz as preocupações dos cidadãos. "Não precisamos nos preocupar se teremos condições de pagar a faculdade, porque ela é pública. Também não precisamos nos preocupar com gastos médicos, porque o acesso à saúde é universal. O governo oferece ajuda financeira mensalmente aos estudantes universitários. Isso reduz um pouco o estresse", avalia a estudante.
No entanto, para outros residentes dos países nórdicos, essa segurança social também pode gerar uma pressão individual para ser bem-sucedido e, em última análise, estar sempre satisfeito e feliz. "Às vezes, sinto que as classificações aumentam a pressão para me sentir feliz. Sabemos que somos muito sortudos por viver em um país seguro, onde somos tratados com muita consideração. Também somos gratos porque a maioria de nós desfruta de um alto padrão de vida. No entanto, esses fatores às vezes podem nos fazer sentir quase culpados por nossa própria infelicidade", diz Noora Ojala, estudante da Finlândia.
A jovem também menciona as altas taxas de suicídio no país, que estão acima da média europeia. Em 2019, a taxa de suicídio na Finlândia foi de 15 mortes por suicídio a cada 100 mil habitantes, enquanto a média da União Europeia foi de 10 casos a cada 100 mil. "Já ouvi pessoas brincando que a única razão pela qual somos considerados o país mais feliz do mundo é porque todos os deprimidos já se mataram", relata Ojala.
A percepção de que os rankings não refletem a realidade individual dos habitantes se repete em outros países nórdicos. Írena Thormarsdóttir, estudante de 24 anos da Islândia, terceiro colocado no ranking da ONU em 2023, acredita que o senso de identidade e união nacional, tão presentes no país, podem contribuir para as boas classificações.
No entanto, ela acredita que esses rankings não refletem a opinião da maioria dos islandeses. "Perguntei a alguns amigos meus e eles não fazem ideia do porquê de sempre estarmos tão bem classificados. O clima geralmente é ruim e os invernos são escuros, então acredito que esses rankings possam estar se concentrando apenas nas perguntas certas, fazendo o país parecer mais feliz do que realmente é", avalia a jovem.
Devido à subjetividade dos critérios para definir a percepção de felicidade, o psiquiatra Alfredo Maluf alerta que não faz sentido tentar reproduzir elementos da cultura nórdica no Brasil para alcançar melhores índices, como os registrados nos países escandinavos.
"Essa sensação de felicidade também é influenciada pela cultura. Sempre temos o fator social e ambiental presente. Os países mais bem classificados têm grande estabilidade, segurança, bem-estar econômico e pouca desigualdade", lembra Maluf.
No entanto, existem diferenças culturais que não devem ser esquecidas. "Somos de um país latino-americano, mais afetuoso, mais caloroso, e isso também influencia nossa percepção do que é felicidade e como avaliamos os critérios presentes em cada ranking", explica o psiquiatra.
Ele acredita que a busca pela felicidade não deve envolver a cópia de modelos estrangeiros, mas sim a valorização da identidade nacional. "Eu acredito que, quanto mais as pessoas se afastam de sua própria cultura, mais infelizes se tornam. Nesse sentido, tentar copiar os países nórdicos não funcionaria. O segredo pode estar em abraçar nossa própria identidade em vez de tentar copiar a dos outros", conclui Maluf Neto.
No entanto, o médico ressalta que, individualmente, adotar certos hábitos tem um grande poder de influenciar a percepção de felicidade. "Podemos dizer que ter uma boa alimentação, praticar atividade física e dormir bem são aspectos básicos que devemos valorizar na busca pela felicidade, juntamente com momentos de convívio com a família e amigos, e uma relação saudável com o trabalho", explica.
Fonte: Revista Galileu Galilei (rewording)

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