Entrevista com renomado educador Antônio Nóvoa
Antônio Nóvoa, um nome de referência global em Educação, é o nosso entrevistado especial. Como ex-reitor e atual professor catedrático da prestigiosa Universidade de Lisboa, Nóvoa tem uma influência profunda na área educacional. Com uma impressionante bibliografia de mais de 150 obras, publicadas em 12 países, ele se destaca como um proeminente pensador educacional. Suas pesquisas revolucionárias sobre a formação de professores têm impulsionado debates e ações significativas entre os tomadores de decisões e profissionais de ensino. Neste artigo, temos o privilégio de compartilhar suas perspicazes respostas aos nossos questionamentos. Sua vasta experiência e insights únicos tornam este conteúdo um must-read para todos os envolvidos e interessados no campo da Educação.
Vandi Dogado - No Brasil, de tempo em tempo, deparamo-nos com demasiados modismos pedagógicos. Muitas vezes, observamos dicotomias entre uma e outra teoria de aprendizagem como se fossem apenas excludentes. Acredita que essa é uma das variantes que atravancam os avanços no processo de ensino-aprendizagem?
Antônio Nóvoa - Sim, há demasiados modismos na educação. A ilusão de que as mudanças virão de uma nova teoria, ou de um novo método, ou de uma nova lei, ou de uma nova reforma, ou de uma nova tecnologia etc. São tudo ilusões! As mudanças terão de ser construídas a partir de baixo, na realização de projetos e experiências nas escolas, na iniciativa dos professores, na partilha e na reflexão conjunta. Para isso, é preciso que as escolas e os professores tenham condições e tempo para o fazer. O melhor que podemos fazer nas políticas educativas é criar as condições para que estas dinâmicas de mudança sejam possíveis e apoiadas.
Vandi Dogado - Se fôssemos estabelecer um paralelo da Educação Básica entre Portugal e Brasil, quais seriam principais problemáticas de cada país?
Antônio Nóvoa - É muito difícil. Os problemas da Educação Básica são os mesmos no mundo inteiro. É isso que dizemos no último Relatório da UNESCO: Reimaginar juntos os nossos futuros: um novo contrato social da educação. Mas é óbvio que a situação dos países é muito diferente. Em Portugal, a escola pública é forte, de qualidade e acolhe todos os alunos. No Brasil, infelizmente, há ainda muitas fragilidades. Como dizia Darcy Ribeiro, "a escola pública é a maior invenção do mundo". Temos de a proteger, transformar e valorizar.
Vandi Dogado - Aspectos cognitivos e socioemocionais foram imensamente prejudicados durante a fase crítica da pandemia. Há algum exemplo de êxito em Portugal nas práticas pedagógicas para a subtração dessas consequências na Educação Básica?
Antônio Nóvoa - Durante a pandemia houve retrocessos imensos na educação das crianças, em todos os países, tanto nas dimensões cognitivas quanto nas dimensões socioemocionais. Ninguém conseguiu resolver bem este problema. Mas é óbvio que os países mais frágeis tiveram ainda maiores dificuldades, e as desigualdades no mundo tornaram-se ainda maiores. A pandemia tornou ainda mais clara a necessidade das escolas e dos professores. O que se conseguiu de melhor foi a iniciativa de escolas e professores que conseguiram inventar formas de trabalho à distância; mantinham as crianças envolvidas em atividades de estudo e conseguiram manter certa relação com os alunos, ou através de encontros nas plataformas digitais, ou através de cartas e correspondência, ou através de iniciativas criativas diversas.
Vandi Dogado - Na Universidade de Lisboa, observou consequências da pandemia nos estudantes de graduação e pós-graduação? Quais?
Antônio Nóvoa - Sim, porém na universidade a situação é menos grave do que na Educação Básica, sobretudo nas crianças mais novas. Hoje, nas escolas como na universidade, o mais importante é mesmo sublinhar a importância da relação, do encontro, do trabalho conjunto, pois ninguém se educa sozinho, educamo-nos sempre com os outros e em diálogo com eles.
Vandi Dogado - As redes sociais parecem camuflar muitas armadilhas, por exemplo, notícias falsas que chegam até mesmo influenciar resultados de eleições presidenciais mundo afora. Qual o papel das escolas para emprego adequado dessas ferramentas como fonte de pesquisa fidedigna?
Antônio Nóvoa - Primeiro ponto. As tecnologias são um apoio pedagógico extraordinário. Não as podemos dispensar. Mas o nosso problema é pedagógico e não tecnológico. Temos de saber colocar as tecnologias ao serviço das melhores pedagogias. Segundo ponto. Uma das funções mais importantes do ensino é, hoje, dar as crianças os instrumentos de leitura do mundo para poderem interpretar as informações que circulam, e exercer sobre elas uma vigilância crítica. Por isso, não podemos dispensar o conhecimento científico que nos permite separar a verdade da falsidade, conhecer o mundo com os olhos da ciência e da cultura.
Vandi Dogado - No Brasil, constata-se dificuldade docente de ensinar o aluno a transformar informação em conhecimento. Como formar professores mais eficientes nessa tarefa fundamental para o sucesso no processo de ensino-aprendizagem?
Antônio Nóvoa - Os modelos de formação de professor estão desatualizados e precisam ser repensados. Na questão que me coloca, o importante é reconhecer que, hoje, já não é tão fundamental "saber muitas coisas" ou "ter um conhecimento enciclopédico". Na palma da nossa mão, em qualquer celular, temos mais informações imediatas do que na maior biblioteca do mundo. Mas o que precisamos, isso sim, é de uma literacia científica, matemática, literária, artística, filosófica que nos permita compreender o conhecimento e fornecer aos alunos os instrumentos que lhes permitam ter uma visão crítica sobre todas as informações que circulam.
Vandi Dogado - No Brasil, os professores chegam a trabalhar três turnos para aumentar o salário e, além disso, lecionam em salas superlotadas. Nesse sentido, como é a realidade de Portugal no atual momento?
Antônio Nóvoa - Aqui, a realidade é muito diferente. É verdade que há um grande mal-estar dos professores em todo o mundo, todavia a situação no Brasil é muito mais dramática do que em Portugal. Tipicamente, em Portugal, um professor trabalha numa escola e pode, assim, envolver-se em projetos educativos mais coerentes e colaborativos. No Brasil, como diz, a situação é mais complicada e torna mais complexa um trabalho conjunto, colaborativo entre professores nas escolas; trabalho esse essencial para melhorar a qualidade da educação pública.
Vandi Dogado - Grato pela entrevista!
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