Um papagaio como testemunha de homicídio?



POR VÍTOR DA MATTA VIVOLO


Este mês, um promotor de Michigan foi deparado com um estranho pedido: familiares de uma vítima de homicídio, Martin Duram (45 anos), entraram com um pedido para que o papagaio da casa fosse chamado “a depor”, sendo considerado testemunha do assassinato de seu dono. O animal aparentemente esteve presente quando Martin fora baleado, repetindo constantemente agora a frase “Don’t f*cking shoot!” (“não atire, p*rr*!”). A mãe da vítima fez vídeos registrando a imitação e encaminhou aos investigadores. 


Bud, a “testemunha” - aspas ficam a critério do leitor - em questão, é um papagaio-cinzento, considerado uma das espécies mais dotadas de inteligência e capacidade de imitação vocal. Irene Pepperberg, bióloga e pesquisadora especialista da espécie há quase quarenta anos, diz que “as habilidades comunicativas deles são, se você tiver sorte, similares a de uma criança de dois anos de idade”. E suas habilidades cognitivas beiram a de uma criança de cinco anos. Pepperberg ainda afirma que os papagaios-cinzentos são comparáveis a golfinhos e chimpanzés no quesito intelectual e de aprendizado. 


No entanto, a pesquisadora não aparenta ter absoluta certeza da veracidade do testemunho no caso, mesmo não descartando a possibilidade de que Bud tenha aprendido a frase através de uma interação social traumática ocorrida com alguém considerado seu amigo, em situação perigo. Provar tal retenção de memória na corte seria a dificuldade, segundo ela. 


“Não consigo imaginar uma situação em que um papagaio esteja qualificado a ser testemunha em corte”, comentou Robert Springstead, promotor responsável pela revisão do caso. “É um caso interessante, mas existem outras informações certamente mais confiáveis no relatório policial e na investigação”, completa. O assunto é delicado, visto que a família afirma desconfiar que a esposa de Martin talvez seja a responsável pelo tiro. 


Pesquisas realizadas por estudiosos como Timothy F. Wright, acerca da evolução e comunicação entre aves, talvez sejam relevantes em casos similares. Dr. Wright dedicou-se a estudar comunidades de papagaios e demais psitacídeos (Psittaciformes, ordem animal a qual também pertencem periquitos, calopsitas e araras). Chegou a conclusão de que a similaridade vocal entre papagaios é importante na manutenção das relações sociais de cada bando. Implantando aves mais idosas e mais jovens em bandos estrangeiros aos de sua origem, Wright observou que os membros recém-chegados só conseguiram se adaptar totalmente quando aprenderam a imitar os novos cantos toados pelo grupo. 


Os mais jovens foram bem sucedidos, dispostos a aprender os sons de seus vizinhos; enquanto os mais velhos preferiram manter suas entonações antigas, segregando-se em uma pequena comunidade de “estrangeiros”.

 A imitação, segundo a pesquisa, faz parte da inclusão social dos papagaios em suas comunidades humanas. 


Há precedentes históricos a corroborar o uso do testemunho de Bud. Nos anos noventa, um papagaio fêmea chamado Echo tornou-se um dos primeiros animais a ser encaminhado ao programa de proteção de testemunhas norteamericano. Seu antigo dono havia sido Anthony Corolla, chefe do crime em Nova Orleães, acusado de homicídios e abusos infantis. Echo, testemunhando ambos, reproduzia os diálogos e choros das vítimas posteriormente. O trauma causado na memória do animal fora utilizado como evidência e, assim que Corolla foi acusado e preso, seu bicho de estimação foi encaminhado à proteção de testemunhas. 


Um papagaio pode ser humanizado a ponto de se tornar um depoente? Ou ainda permanece como um “animal”, um ser “irracional”? Talvez resida aí a polêmica. Nos resta esperar o desenrolar dos fatos, mas é interessante percebermos as formas tomadas por nossas relações sociais com nossos animais de estimação na sociedade moderna. 











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