Um fio de cabelo entre uma conceito e outro




POR VANDI DOGADO


Há inúmeros vocábulos que mal interpretados provocam generalizada confusão no comportamento humano: autoestima e arrogância, humildade e subserviência, tolerância e conveniência, independência e autonomia, autoridade e autoritarismo, etc. Há centenas de dualidades inter-relacionadas semanticamente.


A autoestima é um estado de espírito altivo e de reconhecimento próprio da capacidade de agir e realizar, porém, se não houver o devido cuidado, transformar-se-á facilmente em arrogância. Se indivíduos possuem habilidades e competências, empregá-la com o objetivo de humilhar quem não as possuem é pura maldade. A autoestima é importantíssima para o desenvolvimento individual, todavia só quando está atrelada à humildade. A humildade por sua vez poderá se transformar em subserviência ou submissão caso não haja autorreflexão. O fato de ser humildes não implica aceitação de tudo sem questionamento. Há muitos humildes detentores de enorme dificuldade em expressar-se sobre suas habilidades e, também, de dizer “não". Esses empecilhos atitudinais atravancam demasiadamente o sucesso pessoal e profissional; já que possuidores de dificuldades em falar “não”, acaba realizando somente pelos outros e muitas vezes se metendo em encrencas por envolvimento em práticas ilícitas. Em contrapartida, dizer “não” a tudo e, até mesmo, ao auxílio às pessoas necessitadas é tão maléfico quanto ao contrário, implicando cegueira na percepção de oportunidades e impedindo de ser solidário. 


A estreita relação entre os pares de palavras AUTOESTIMA-ARROGÂNCIA e HUMILDADE-SUBMISSÃO precisa ser cotidianamente observada. Qualquer indivíduo que tenha baixa autoestima insere barreiras e obstáculos para as próprias ações, não consegue desenvolver todo o seu potencial, por isso a autoestima é extremamente relevante para o sucesso pessoal e profissional. Em contrapartida, o sujeito com autoestima elevada deve tomar imenso cuidado para não incorrer em arrogância. É neste ponto que entra a humildade, sendo atitude primordial para os bons relacionamentos interpessoais, todavia também se deve atentar para tal comportamento, pois humildade pode ser confundida com submissão e, consequentemente, provocar baixa autoestima. Como? Quer dizer que se temos autoestima elevada podemos nos tornar arrogantes? Exatamente! E, a humildade seria a solução para que isso não ocorra? Isso mesmo! Mas, se a humildade não for efetuada refletidamente podemos nos tornar submissos? Sim! Então, qual é o melhor caminho? A autorreflexão é a maneira mais adequada para percebermos as sutilezas de nossas ações. Devemos buscar o mais harmônico equilíbrio entre autoestima e humildade e evitar qualquer comportamento que não tenha relação com seus genuínos significados.


Outro grande equívoco originado pela ausência de reflexão se encontra entre o ato ser tolerante e o de ser conivente. Sabemos que grande parte da violência no mundo se deve à falta de tolerância e de desrespeito às diferenças culturais, religiosas, étnicas, ideológicas, sociais e sexuais, por conseguinte há uma iminente necessidade de engajamento para que os seres humanos sejam mais tolerantes, todavia se não houver um mínimo de análise situacional, o indivíduo poderá se tornar conivente com ações inaceitáveis ou criminosas. Não se deve esquecer de que há leis institucionais e regras sociais a serem seguidas. O direito de discordância de uma ou outra lei é plenamente aceitável, mas não exime o cumprimento. O caminho seria outro: pensar em estratégias articuladas e inteligentes para alterar as leis na própria forma da lei, mediante o emprego de mecanismos políticos e institucionais, todavia enquanto as leis estiverem vigentes terão de ser cumpridas por todos. A liberdade de expressão e de criação e, ainda, o respeito às diversidades individuais e culturais são pontos primordiais no estado de direito democrático. Logicamente, que se uma prática cultural atenta contra a vida ou infringe leis devem ser combatidas, por exemplo, certos povos sacrificavam bebês em cultos religiosos como oferenda aos seus deuses, logo tal ato deve ser enfrentado no rigor da lei. Devemos olhar com alegria e sem preconceitos para as diversidades, mas tendo sempre a preservação da vida e o cometimento de crimes como exceção a qualquer prática. Acontece que muitos passam aceitar prática ilegais ou preconceituosas pensando que estão sendo tolerantes ou valorizando as diferenças, mas na verdade estão sendo coniventes com atitudes ruins aos demais seres humanos.


Ainda há de se esclarecer que as leis e as regras sociais impedem uma plena independência humana. “Independente” é poder executar tudo o que se acredita ser possível, por exemplo, um homem poderia matar o outro? Sim, poderia, contudo, teria de pagar pelo crime. Quem procura independência está fadado ao sofrimento e à infelicidade. A concepção mais apropriada para a vivência em sociedade é ser “autônomo” (auto = próprio e nomo = norma), isto é, homens livres e de bons costumes que seguem leis. Hitler abstraiu equivocadamente a filosofia de Nietzsche quando este disse que a moral é uma criação humana e causou a morte de milhões de pessoas. Realmente a moral é uma invenção humana, mas o filósofo nunca mencionou que se poderia matar porque “assassinato” é uma prática exterior à moral. Um mundo sem regras sociais ou leis é extremamente perigoso para todos, inclusive para quem defende a ruptura de conceitos morais em nome do espírito crítico ou em nome de qualquer outra coisa. Observa-se atualmente absurdos como certas declarações de que as mulheres são culpadas pelos estupros porque vestiram roupas curtas. Qualquer um pode discordar do uso de trajes insinuantes, todavia o corpo é uma propriedade pertencente tão somente a si próprio, e qualquer ato de violência contra as mulheres é injustificável, porque os corpos são delas. 


Observa-se atualmente um indigesto debate sobre a liberdade de criação versus dogma religioso. Se defensores das diversidades artístico-culturais e individuais ofendem dogmas, cometem desnecessário e tolo equívoco; todavia, se religiosos atacam impiedosamente quaisquer aspectos das diversidades condicionais e optativas (formadas pelas complexas interações psicobiogenéticas com o meio) e da livre manifestação e expressão artística incorrem na mesma gravidade. Neste sentido, toda liberdade de expressão é elevada e permitida, desde que se respeite às diferenças socioculturais e individuais e, sobretudo, não se transgrida a Lei. Tentativas de construção de "arte" cujo conteúdo afronta símbolos religiosos é um evidente exemplo da ausência de bom senso e falta de criatividade, assim como tentativas de "curar" a homossexualidade é um lamentável exemplo anticientífico. As grandes guerras são movidas pelo egoísmo, busca de bens materiais, gana por poder e não aceitação das características concretas ou abstratas do outro. Uns vivem carregados de preconceito e outros repletos de “verdade” dogmática ou ideológica. Óh, se soubessem quão frágil e insignificante é o humano perante o tempo e a morte! Óh, quão impotentes são diante de ambos! De nada vale a curta existência cujos persistentes devaneios os leva erroneamente a construir “valores superiores” a fim de colecionar ódio aos que inveja ou despreza". A superioridade inquestionavelmente existe nas habilidades e competências; porém, todo sentimento, desejo e manifestação de superioridade em relação ao outro é antes de tudo um ato irracional e covarde de um ser que procura desesperadamente autodefesa contra seus medos, dúvidas e anseios. Óh, exaltem os democráticos vermes! Eles recebem solenemente a carne do negro e do branco, do alto e do baixo, do grande e do pequeno, do gordo e do magro, do belo e do feio, do inteligente e do idiota, do rico e do pobre, do direito e do torto, do homem e da mulher, do macho e do gay... e, devoram-nas indistintamente até a “brancura dos distintos esqueletos”. Óh, quão imponente e poderoso são os humanos! Meros e irresistíveis banquetes aos frágeis vermes.


A confusão continua quando homens em elevados cargos se tornam ditadores, justamente porque não distinguem autoridade de autoritarismo. Um líder não deve impor nada pela força bruta, mas convencer pelo discurso coerente e humanitário. Mas, há outros com medo de serem chamados de ditadores se tornam profissionais omissos e não exercem a autoridade do seu posto, sendo geralmente dominados por bajuladores e deixam de contribuir para o pleno desenvolvimento da instituição e da sociedade a que pertence. Um sujeito que ocupe determinada função e cargo precisa diferenciar entre agir com firmeza de agir com brutalidade.


O embate tornar-se ainda pior quando se tenta criar um debate exitoso a fim de compreender os limites da prática extraída dos significados de cada dualidade e suas estreitas inter-relações significativas. Para que um debate seja eficiente precisamos diferenciar três tipos de questões: factual, valorosa e semântica. A “questão factual” é objetiva e deve seguir as leis da lógica, cujas partes se relacionam sistematicamente entre si. A “questão valorosa” é subjetiva e deve ser pautada tanto pelo respeito quanto pelos posicionamentos individuais ou coletivos. Já “questão semântica” orienta-se quanto à noção clara do significado de cada palavra que está sendo discutida. Há equívocos do tipo “como um homem não pode gostar de música? ”. Essa é uma “questão de valor” não se pode discuti-la objetivamente. Agora, veja essa expressão “Não existe urubu branco, essa é minha opinião e pronto”. Claro que existe urubu branco, é um fato e não se pode questionar subjetivamente. Nos atuais debates sociais, além do desvio de tema também é notada a grande dificuldade de distinguir os tipos de questões, tornando reuniões ou embate intelectuais falhos e dispensáveis. Agora, fiquem atentos as duas expressões seguintes “amo tudo isso” (dito em uma boate) e “amo tudo isso” (dito em uma igreja). Epa! Se fôssemos efetuar um debate sobre o amor, teríamos a “questão de valor” e a “questão semântica” presentes). Deveria ser observado os significados denotativos (próprios) do termo e também as concepções de julgamento que cada indivíduo faz sobre as diferentes acepções desse termo: profano, filial, humanitário... Se um sujeito estiver numa discussão expressando sobre o amor no sentido profano e outro no sentido filial, o produto deste debate será totalmente em vão. Dessa forma, deve-se ter ciência entre questionamentos objetivos, subjetivos e conceituais. Como melhorar isso e evitar as falácias nos discursos? Simples, necessita-se de leitura e reflexão sobre o mundo e a linguagem. 











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